11 de mai. de 2012

Vermelho e bem justo - por Rubens Lemos Filho

O domingo, 6 de maio de 2012 está consagrado pela vontade vermelha como o Dia do Carimbo. Nada de atos ou decretos oficiais. Foi o povo quem decidiu. O América é o legítimo campeão potiguar de 2012 por ser o melhor time do Rio Grande do Norte por talento e opção filosófica.
A festa vermelha no Frasqueirão era uma sentença dos cafundós fantasmagóricos. Ninguém, com o mínimo de senso, imaginaria uma reviravolta na redenção obtida pelo América em três pauladas no seu maior rival durante uma competição tida como favas contadas pela soberba que acometeu o ABC.
É quando se perde a sua própria identidade que se perde a razão de viver, quanto mais um Campeonato Estadual. O ABC deixou de ser o abrigo dos humildes, do povão, da massa de pés descalços, para inverter a ordem secular: O clube da elite nas atitudes passou a dar as cartas na Rota do Sol.
O América percebeu e entendeu. Foi buscar na sua tradição o bálsamo da volta por cima, perfeita quando cantada pelo sambista negro Noite Ilustrada. Ninguém interpretou melhor a composição do gênio paulistano Paulo Vanzolini, em 1962, ano em que fomos bicampeões inacreditáveis. Sem Pelé, com Amarildo em seu lugar e Garrincha jogando por um time inteiro.
O América reconheceu sua queda, não desanimou, levantou, sacudiu a poeira e as humilhações desde o ano passado, quando a serenidade blasé do deputado Hermano Morais, eleito presidente numa boca de fogo semelhante a um tiroteio no Complexo do Alemão.
Começou ali. O amor próprio do americano renasceu numa disputa de Série C. Sem estádio, sem dinheiro, sem prestígio, com sentimento. Na dificuldade, irmão reconhece irmão e o afeto moral de Goianinha reacendeu em cada coração rubro: Estamos vivos, podemos resistir, reviver, florescer do espinho.
O América conseguiu o acesso à Série B, reagrupou velhas tendências contrárias, uniu-se e partiu para o Campeonato Estadual com nova diretoria, à frente o empresário e torcedor sem sangue aristocrata, Alex Padang.
O América perdeu três clássicos seguidos para o feioso e covarde esquema tático do ABC jogando melhor. Manteve o brio ferido e o instinto de recuperação aceso. Lutou. Por pouco não foi degolado no segundo turno e entraria 2013 com 10 anos, mais que um ciclo cabalístico de frustrações.
Ganhou a primeira peleja. O oponente fez que não era com ele. O América venceu outra vez. Ainda assim, contou com a providencial empáfia abecedista. Ganhou a terceira e a vantagem na decisão de ontem.
Se readaptou à possibilidade de empalmar uma taça. O América que buscava o gol, jogava para a frente, queria a vitória como convicção, de jeito nenhum por sortilégio, sopro de sorte, azar do concorrente.
O América foi ao Estádio Maria Lamas Farache num domingo pobre fora de campo. Cito o nome completo da dama que empresta o nome ao estádio do ABC por saber que uma faixa chamando o lugar de chiqueiro foi posta na sede do clube.
Foi um surto de falta de respeito. O América não precisava da grosseria para ser campeão por ter um técnico mais competente , um time superior e a tendência de crescer na hora certa.
Dona Maria Lamas Farache foi uma grande cidadã dos tempos de civilidade. Amava o ABC como filho. Ela e o marido, Vicente. Nos idos de quando os autores da ideia infeliz sequer eram projeto de gente.
Mas a guerra ridícula entre dirigentes de ABC e América pela mídia, trocando ofensas, estava apenas começando. O ABC perdeu o senso, de ridículo e de cortesia, impedindo à truculência a transmissão do jogo ao vivo para Natal, talvez para que a cidade fosse poupada do triste e enganoso futebol que só aos xiitas convencia.
O América é campeão por merecimento. Depois de nove anos, seu torcedor poderá olhar o mapa do Rio Grande do Norte, de Vila Flor, no Agreste, até Venha-Ver, na Tromba do Elefante e saber que a posse futebolística dos seus 53 mil quilômetros quadrados volta a pertencer ao clube da Rodrigues Alves.
O América sempre quis ganhar. O ABC vencia se fosse o caso, estabelecendo um tipo de estelionato tático fantasiado de eficiência pragmática e futebol de péssima qualidade. Sempre atrás, fechado e defensivo, distante da essência do que está perdido na poeira dos alfarrábios. Time valente, guerreiro, ofensivo.
O ABC de hoje, radical, raivoso e pouco desportista, tem o dever de mudar em respeito à memória de homens como Vicente Farache, Aluísio Bezerra, José Prudêncio Sobrinho e, sobretudo, da fidalguia altiva de Ernani da Silveira.
O América é campeão. Por entender que longe é um lugar que não existe e das humilhações recomeçam as glórias. O resultado de 2x0 só não é um detalhe por ter sido de Fabinho, velocidade etíope e estilo de ritmista da Portela, o gol que carimbou o título. Fabinho, melhor jogador do Estado. 

Texto publicado no dia 07/05/12 - no site www.rubenslemos.com.br

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14 comentários:

Anônimo disse...

3 pauladas não... 4!!!!!!!

EdilbertoSousa disse...

Parabéns a Rubens Lemos Filho pela a elegância do relato,claro, direto e sem retoques. Encontrei um Abcedista que enxerga igual a mim.

Haroldo Gomes disse...

Rubens Lemos é um abcedista que sabe transformar as piores derrotas em vitórias. Escreve como quem saboreia um bom vinho. As palavras analisam com profundidade o panorama e mostram a grandeza de quem sabe ser um desportista.

Anônimo disse...

Rubens, parabens!
Voce emocionou uma família americana.
O reconhecimento da gloriosa conquista do título peloAmérica, que superou adversidades, humilhações, renasceu das cinzas e "floresceu dos espinhos", para nós americanos tem um valor muito especial, pela sua grandeza de desportista desprovida de radicalismo.
Mas amigo, bom mesmo é ir à luta com determinação, perder com classe e vencer com ousadia.

Andierison Macedo disse...

Foram 4 vitórias. Resta esse pequeno e importante retoque.

Anônimo disse...

Fiquei emocionado com a sencibilidade do jornalista. Ele consegue tocar os coracoes daqueles que amam o verdadeiro futebol. A arte.
Antonio Jose

AILSON ROSA SOARES E SILVA disse...

RUBENS LEMOS FILHO Fez um retrato fidedigno de tudo o que aconteceu neste campeonato entre as duas maiores e melhores equipes. Além de ser um excelente Jornalista e Comentarista, Rubens é também um gentleman. Inteligente e culto tal como era seu saudoso Pai o também Jornalista RUBENS LEMOS. Parabéns Rubens pela sua lucidez e caráter !!
rosaesilva@gmail.com AILSON

Anônimo disse...

Valeu Rubinho, você fechou o "Firo".

Reure disse...

Vou rir muito quando o Abc cortar a energia da rádio bobo, esta sim merece.

Oto Jeferson de Albuquerque disse...

Parabéns, Rubens Lemos Filho. Esse relato me levou de volta à época em que saíamos de casa para assistir um america x abc juntamente com os vizinhos descendo o alto da candelária, todos juntos vestidos com as camisas dos dois clubes. Saudades.

Unknown disse...

Prezado Sergio,

Nada como uma visão de um Rival( no bom sentido) porque Rubens Lemos Filho faz parte de uma linhagem que vale apena ouvi-lo e lê o que se escreve, não só pelas verdades, mas pelo tapa de luva em que dar a nós mesmos Americanos que muitas das vezes não cremos na força que temos e quão grande é esse clube de peles vermelhas.

Parabens Rubinho vc faz com que abrimos os olhos e nos mostra que tem muito Americano precisando chegar mais junto, se associar a e fazer parte desse clube que resurgiu mais uma vez pra ser campeão estadual 2012 ufa !! quanta razão em tudo que disse.

Assino em baixo em quase tudo, só lembro que ganhamos 4 seguidas, não é nenhuma onda é pra confirmar tudo que disse.

Um abraço

Williman Oliveira

Anônimo disse...

GRATIDÃO A QUEM SABE SER GRANDE NA DERROTA

Se todos pensassem igual a Rubinho, o Abc valeria um alfabeto inteiro!
Parabéns ao lúcido jornalista e torcedor alvinegro, que tão bem e de forma elegante, sabe reconhecer nas palavras e nas atitudes, o mérito conquistado pelo América.

Pena que seus pares, Rubinho, mergulhados na escuridão, tenham contribuído muito pouco para tornar uma conquista vermelha, símbolo de aplauso indistinto, independente da cor que hoje veste a alegria de uma cidade.

Você herdou de seu pai - o Rubão - cuja história acompanhamos como ouvinte de rádio, a virtude da franqueza e a qualidade da letra fácil, tão bem expressos em seu comentário aqui postado.

Sabemos de sua dor e nos solidarizamos com sua verdade. Mais ainda: seus amigos americanos que hoje sobem ao pódium para comemorar uma conquista inédita, firmam compromisso com a gratidão para homenagea-lo, quando a história do clássico nos indicar que o Troféu mudou de mãos.

Salve o América!
Salve Rubinho!
Salve o nosso Futebol!

MACIEL
Conselheiro Jovem do América

Anônimo disse...

RUBENS LEMOS FILHO É UM DOS RAROS abecedistas QUE SABEM RECONHECER A DERROTA DO SEU TIME. O ESPORTE É ISSO , AS VEZES SE GANHA E AS VEZES SE PERDE . O IMPORTANTE É SABER RECONHECER. PARA A MAIORIA DA TORCIDA abecedista , O ABC É O PRÓPRIO BARCELONA DO NORDESTE. SERÁ QUE O RETRANQUEIRO LEANDRO CAMPOS FOI CONTRATADO PELO BARCELONA P/ SUBSTITUIR GUARDIOLA ? PELO MENOS EM IMPÁFIA O LEANDRO GANHA KKKK. ASS: CLÁUDIO

Robério Souto disse...

Já li e re-li várias vezes este relato do Rubens, e há tempos sou leitor assíduo da coluna deste grande jornalista que sabe emocionar com suas palavras até uma decisão de peladeiros! Não pelo reconhecimento de que fomos melhores diante do nosso rival, mas pelo jeito que escreve e relata os fatos com verdade e lucidez! Já o parabenizei via twitter e agora mais uma vez PARABÉNS Rubens, Você é grande, como é grande a sua sabedoria...

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